Em uma recente conversa fui apresentado ao seguinte problema: “Como faço para esquecer o que passei e viver sem isso?” Essa é uma pergunta que imagino muitos terem tido ao longo da vida. Todos já passamos por situações ruins que nos afetam até hoje, seja distorcendo nossa percepção ou nos trazendo sofrimento. Desnecessário dizer que não é algo bom de se sentir.
A negação
Nossa primeira reação muitas vezes é querer se livrar disso. É natural. Afinal de contas, se algo está me incomodando, eu quero que vá embora. Porém nossa mente é muito boa (irritantemente boa, eu diria) em não esquecer coisas que considera ruins. Queremos voltar àquele tempo antes do evento difícil, onde tudo era mais fácil e simples. Contudo, a ideia de simplesmente “esquecer” é complicada e, ao mesmo tempo, perigosa.
Ela é complicada porque isso não é algo fácil. Tirando alguns casos extremos, nossa mente não quer se livrar da memória ruim. Ela vê como um ponto de alerta que deve ser preservado para o futuro, para que o evento não se repita.
“Esquecer” também é complicado porque é quase impossível tirar algo completamente da memória. O que normalmente acontece é que a vivência é reprimida, e não esquecida. No que há esse acúmulo, ocorre tal qual uma panela de pressão esquentando. Se não houver uma válvula de escape, a panela, nossa mente, acaba soltando tudo que estava acumulado, de uma forma ou outra. Muitas vezes, isso acaba gerando mais problemas do que a causa raíz.
A construção da vida
Tendo isso em mente – que as memórias que não gostamos dificilmente se deixam ir – proponho uma analogia que pode ser interessante. Imagine a vida que vivemos como a construção de uma casa de tijolos. Cada experiência, interação ou aprendizado que vivemos se transforma num tijolo. A soma dos tijolos, ao final, se tornará a “casa” que nós somos. Entretanto, ao longo de nossa vida, virão alguns tijolos “problemáticos”. Tijolos diferentes do que estávamos esperando e que não se encaixam direito com os outros. Tijolos frágeis, que não permitem acumular muito peso. Tijolos molhados que, sem outros em volta para absorver a água, ameaçam a estrutura.
Infelizmente, não temos como escolher os tijolos que nos são dados. Eles vem no pacote que é a vida. Resta a nós, construtores de nossa própria casa, nos planejarmos para lidar com esses tijolos.
Por exemplo, um tijolo frágil, talvez representando uma dificuldade trazida por uma doença, um luto ou um trauma, ameaça fazer uma parede da nossa casa cair. Porém, se temos um tijolo frágil, que tal seria reforçá-lo com outros tijolos? Tijolos esses que podem representar o apoio de outras pessoas. Ou se não, que tal tentar mudar o formato da parede, de forma a distribuir o peso e não colocar tudo em cima desse único tijolo?
Conclusão
Ou seja, olhar nossa vida, nossa casa, como uma obra em construção nos ajuda a perceber que não estamos prontos, finalizados. Como somos hoje não representa quem somos para sempre. Somos um processo em andamento, e um empecilho no meio do caminho não necessariamente significa a ruína da casa.
Aquele tijolo provavelmente não vai ir embora. A argamassa solidificou e ele agora faz parte da casa. Porém ela não está pronta. Ainda há muitos tijolos, muitas formas de arranjá-los, muitos fornecedores diferentes. Construa a sua casa não fingindo que não há um tijolo, mas com atenção nele de forma a compensá-lo ou, até mesmo, inspirar-se nele. Assim, ele não será um “ponto fraco”, mas parte de quem você é, parte de sua construção.