Um caminho de muitas vias.
Antes de mais nada, quero esclarecer que espiritualidade não é sinônimo de religiosidade. Uma pessoa pode ser espiritualizada sem ser necessariamente religiosa. Logo me explico.
Espiritualidade tem a ver com o desenvolvimento de um sentido de vida, com a clareza sobre aquilo que nos é sagrado.
Tem a ver também com uma busca pessoal e intransferível de como nos reconhecemos em nossa essência – seres espirituais vivendo uma experiência material, seres materiais que viverão uma experiência espiritual após a morte ou apenas matéria – um corpo que vai virar pó.
O que é sagrado para alguns pode não ser sagrado para outros.
Posso mover minha vida por ajudar o próximo, por exemplo, por uma causa que move meus dias e noites e, portanto – por cultuar um espaço sagrado de serviço que me dá um sentido de vida. Neste lugar, considerando esse conceito que apresentei, sou “espiritualizado”, mesmo se for um ateu.
Para ser espiritualizado não preciso acreditar na existência de Deus. Preciso tão somente me conectar ao que é sagrado em minha vida, mesmo que seja o simples cuidado com a natureza como um valor fundamental de minha existência. Não importa o que é sagrado, mas desde onde é sagrado. Essa é chamada a espiritualidade laica, ou para leigos.
Espiritualidade está então muito mais ligada àquilo que me move, do que aquilo que eu sigo como doutrina espiritual. Por isto que alguém que segue uma religião é na grande maioria espiritualizada, seguidora fiel de um conjunto de crenças e princípios que dão sentido a sua existência e se tornam um norte que a tudo toca – trabalho, família, dinheiro, convívio social, etc. Mas uma pessoa dita espiritualizada, com um forte sentido de vida e culto ao que considera sagrado, não necessariamente segue uma doutrina espiritual. Sei que parece confuso, mas imagina que estamos falando de coisas que se complementam sem se excluírem mutuamente.
Bom, isto posto, o que espiritualidade e cura tem a ver um com o outro?
Da minha experiência acompanhando pacientes graves e terminais, devo dizer que a espiritualidade, se não surgiu até esse momento da vida, tem grande chance de surgir diante da morte iminente. Vejo isto com muita frequência em meus atendimentos. Por nenhuma outra razão a não ser uma muito simples – perto da morte somos convidados a focar nossa atenção no que realmente importa.
É onde o que é realmente sagrado para nós se revela.
Claro que não precisamos estar numa situação tão grave de saúde para reconhecer esse lugar. As vezes ele sempre esteve conosco sem a gente perceber. Vi isto em pais que diante da morte tinham a família como o espaço sagrado, mas o tiveram durante toda a vida. A proximidade da morte apenas ressaltou o fato. A família como o que dava sentido a tudo o mais, inclusive forças para enfrentamento da doença. A espiritualidade, na sagrada família, permitindo a esse paciente transcender, ir além de suas limitações físicas, rompendo com o tangível movido por algo maior.
É dessa espiritualidade que falo quando menciono a ligação dela com processos de cura.
Porque para nós, em minha área de atuação, cura vai além da simples recuperação física. Cura tem a ver com a restauração do equilíbrio global. Essa restauração ganha um aliado forte quando o paciente tem claro seus lugares sagrados, sejam eles habitados por Deus, monges, uma família, uma causa, são sempre espaços que trazem ao final do dia – ESPERANÇA.
Sim, porque toda espiritualidade está grávida de uma promessa, de que algo transcendente e excepcional nos sustenta para além das circunstâncias. Ao menos é isto que testemunho em meu dia-a-dia.
E enquanto há esperança, há vida!
E enquanto há vida, há aprendizados e para mim, pessoalmente, esse é o convite desse infinito ciclo – o nascer, viver, morrer. A ânsia da vida buscando a própria vida que é pura evolução e movimento.
Quando não há mais esperança, por sua vez, vejo lindos processos também para aqueles que partem. Pois para quem toca sua própria espiritualidade, quando se perde a esperança, se ganha a entrega, a entrega às coisas como elas se apresentam, a entrega desde o lugar de dignidade de quem foi fiel ao seu sentido de vida até o final.
Assim é.
Quero agradecer a todos que me permitiram enquanto apoiadora acompanhar suas partidas e aprender a força da espiritualidade em nossas existências e seu papel. Que essas histórias que inspiraram minha própria vida, inspirem muitas vidas mais.
Abraço carinhoso,
Luciane
Siga-me no @lu.schutte no Instagram.